domingo, 13 de novembro de 2011

Bruno Daniel completa 42 anos e ganha do Aidan o abandono

O ano era 1969. Criado havia dois anos, o Santo André precisava de estádio para mandar seus jogos e, assim, consolidar-se como uma das forças do futebol paulista. Houve comoção na cidade e no feriado de 15 de novembro o Bruno José Daniel era entregue à população. Hoje, 42 anos depois, o estádio, em ruínas, é vítima de descaso e dá má conservação, ajudando a empurrar o Ramalhão para o buraco. Desabrigado, o time pode até ficar fora da Série A-2 do Campeonato Paulista que se aproxima (leia ao lado).

Construído às pressas, o Bruno Daniel era diferente do atual. Tinha apenas a arquibancada coberta, projetada para receber 12 mil torcedores - com o Estatuto do Torcedor, criado em 2002, a capacidade foi reduzida pela metade por conta da regulamentação do espaço de assento - e levou 23 meses para ficar pronto, com custo de NCr$ 7,5 milhões (equivalente a R$ 8,6 milhões).


Sua engenharia, sofisticada para a época, impressionava. A marquise que cobria a arquibancada era o diferencial. A acústica ampliava o grito dos torcedores. O primeiro evento esportivo, curiosamente, não foi um jogo de futebol e, sim, o Troféu Brasil de Atletismo. O Santo André só estreou o palco em 14 de dezembro de 1969, quando recebeu o Palmeiras, então campeão do Robertão (antigo Campeonato Brasileiro) e acabou goleado: 4 a 0.

A década de 1970 trouxe transformações importantes para o estádio municipal, que em 1973 passou a ser chamado de Bruno José Daniel, pai de Celso Daniel, em homenagem ao ex-goleiro do Primeiro de Maio e também ex-prefeito, ex-vereador e ex-presidente da Câmara, falecido aos 52 anos, em 22 de dezembro de 1969. Em 1976, era construída a arquibancada descoberta, no estilo tobogã, aumentando a capacidade para 17 mil pessoas.

Foram nas duas últimas décadas, porém, que o Brunão começou a sentir os efeitos devastadores do tempo e da chuva. Construído em terreno pantanoso, no nível do córrego Guarará, o estádio ficou vulnerável. A primeira inundação também foi a mais cruel. Em janeiro de 1996, o córrego transbordou e a água invadiu as dependências do estádio chegando a 2,2 m de altura, destruindo aparelhos de fisioterapia, computadores e outros materiais.

Era o prenúncio de anos complicados que estariam por vir. As enchentes não davam trégua e o Brunão sofria a cada dois ou três anos com novas e cruéis inundações (ver matéria abaixo).

A evolução do time nos gramados exigia modernização. A maior delas aconteceu em 2004, quando a Prefeitura iniciou reforma para que o estádio pudesse receber os jogos da Copa Libertadores da América. Foi trocado o gramado, recuperado partes elétrica e hidráulica, sistema de drenagem e irrigação, além da instalação de arquibancadas tubulares atrás do gol, elevando a capacidade total para 20 mil torcedores.

DECLÍNIO - A reforma de 2004 foi o último suspiro do quadragenário Bruno Daniel. Nos últimos anos, o estádio passou a agonizar com o descaso da administração municipal. Ainda em campanha, o prefeito Aidan Ravin (PTB) prometeu reformar o Brunão. Assim que assumiu o paço, em 2009, anunciou liberação de R$ 1,2 milhão para obras no local, mas absolutamente nada aconteceu.




Promessas não faltaram. Em julho de 2007, Nilson Bonome, então secretário de Gabinete e de Finanças, garantiu que faria obras de modernização orçadas em R$ 5 milhões. O prazo era de 60 dias para o início, mas também nada aconteceu. Enquanto isso, o estádio passou a sofrer com diversas interdições. A marquise, sem manutenção, corria risco de desabar.

Em maio, mais uma vez, Aidan veio a público anunciar outra reforma. E, desta vez, algo aconteceu, mas para pior. A marquise, que caracterizava o estádio, foi demolida, mas o entulho ficou no local. A empresa que fez o trabalho sumiu e a Prefeitura não deu parecer definitivo sobre o caso. O resultado foi mais uma interdição pelo Ministério Público que, desta vez, pode ser definitiva, já que aos 42 anos, o Bruno Daniel parece não suportar mais o descaso com que vem sendo tratado.

Criador do Brunão lamenta morte do ‘filho'

Foi indisfarçável a cara de decepção do arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva, criador do projeto arquitetônico do Bruno Daniel, ao saber da demolição da marquise. Sentado em seu confortável escritório, localizado no centro de São Paulo, o senhor de cabelos brancos e 78 anos fez questão de saber detalhes da obra e lamentou que o estádio tivesse chegado a esse ponto.

"Isso é falta de manutenção preventiva. Santo André, assim como qualquer cidade grande, é sujeita à poluição, umidade e isso prejudica bastante as estruturas. Pelo que sei, a marquise jamais foi pintada. Assim não há cimento que aguente. Tenho outros projetos, feitos na mesma época, que estão em pé e bem conservados. Um exemplo é a Assembleia Legislativa de Florianópolis. Pena que não trataram a marquise com o cuidado que ela exigia", lamentou o arquiteto, que teve companhia de José Franco Neves na elaboração do desenho.

Autor de projetos consagrados, como o da Arena da Baixada, do Atlético-PR, e do mezanino do Mercado Municipal de São Paulo, Saraiva explicou como surgiu a ideia de projetar o Bruno Daniel. "Foi um concurso público que resolvi me inscrever no início da década de 1960. A ideia era a construção do estádio e conjunto poliesportivo que seria integrado ao Pedro Dell'Antônia. Mas após sermos declarados vencedores, a Prefeitura disse que não faria a obra. Recorremos à Justiça e, depois de oito anos, ganhamos. Foi então que nos convidaram a refazer o projeto apenas com o estádio", lembrou.

Depois de acompanhar a construção do Bruno Daniel, o arquiteto nunca mais esteve em Santo André. "Fiquei decepcionado com o que aconteceu. Na hora de construir a outra arquibancada rasgaram meu projeto e fizeram outro, com outro arquiteto (Francisco José de Prado Ribeiro). Isso descaracterizou o desenho. Não tive mais vontade de ir lá", explicou, afirmando que não teve mais contato com ninguém da cidade. "Infelizmente, não fui procurado para ver a marquise antes de derrubarem. Podia ter um jeito de resolver", completou.

No projeto inicial do arquiteto, que existe até hoje e está carinhosamente exposto em seu escritório, a arquibancada descoberta seria construída de forma que pudesse conectar com as cadeiras cobertas, fechando o anel. Na ocasião, as enchentes não ameaçavam. "Não nos preocupamos com o rio, pois não transbordava", contou. "Por isso, decidimos fazer os vestiários no nível da calçada", finalizou.


Quarentão vê mais glórias do que tristezas

O Bruno Daniel carrega mais alegrias do que decepções nos 42 anos de vida. Foi no estádio, por exemplo, que o torcedor andreense comemorou a classificação para a inédita final do Paulista de 2010, vencida pelo Santos. Na semifinal o Brunão recebeu 11.835 pagantes para o duelo com o Grêmio Prudente. Mesmo com a derrota (2 a 1), o Ramalhão garantiu vaga na decisão.

Os mais saudosistas irão se lembrar da vitória heroica diante do Grêmio, então campeão mundial, no Brasileirão de 1984. O time que tinha Renato Gaúcho sucumbiu no Bruno Daniel diante do debutante Santo André. Élcio marcou o gol da vitória (1 a 0) com público de 12 mil torcedores. Na mesma competição a primeira decepção: o Ramalhão empatou (1 a 1) com o Fluminense e foi eliminando nas oitavas de final.

Outro momento marcante na do Bruno Daniel foi no Paulistão de 1994. A competição foi disputada em pontos corridos e quis o destino que o estádio recebesse o jogo decisivo. O Palmeiras, com gol de Evair, derrubou (1 a 0) o Santo André, rebaixado para a Série A-2 com 10.839 pessoas nas arquibancadas.

Foi justamente no retorno à elite que o Santo André conseguiu seu público mais expressivo no estádio. O jogo era contra o Ituano em duelo que valia vaga na Primeira Divisão. Mais de 15 mil torcedores estavam nas arquibancadas - a partida não teve o público oficial divulgado - e viram Adãozinho, de pênalti, aos 48 minutos do segundo tempo, marcar o gol do acesso à Série A-1.

Nos anos 2000, o torcedor ainda comemorou o título da Copa Estado de São Paulo de 2003 - atual Copa Paulista - que garantiu ao time vaga na Copa do Brasil no ano seguinte. Em 2005, o estádio sediou os jogos da Copa Libertadores da América, mas o Santo André acabou eliminado na primeira fase.


Sem estádio, Ramalhão ameaça ficar fora da A-2

As más condições do Bruno Daniel têm influenciado significativamente no desempenho do Santo André. Com a mais recente interdição, sem data para ser liberado, o clube corre sério risco de ter de disputar a Série A-2 do Campeonato Paulista, a partir de janeiro, em campos alugados. A falta de casa tem tirado o sono dos dirigentes e jogadores, que sabem o quanto é importante conhecer o campo, o gramado e ter a torcida ao lado.

Sem casa, o presidente da Santo André Gestão Empresarial, Ronan Maria Pinto, ameaça nem disputar a competição. "Fica difícil, pois já entramos em desvantagem. É um absurdo o que está acontecendo. Estamos nos esforçando para montar time competitivo, que tenha boas chances de subir para a Primeira Divisão, mas precisamos ter uma casa. Sem isso a situação fica muito complicada", avaliou o dirigente. ‘Quero crer que as pessoas envolvidas tenham mais responsabilidade e resolvam a questão a tempo", completou.

A Federação Paulista ainda não divulgou a tabela oficial da Segunda Divisão, mas a expectativa é de que o Ramalhão faça a estreia no fim de janeiro. Como as torres de iluminação eram sustentadas pela marquise demolida, o estádio, caso seja liberado pelo Ministério Público, só poderá receber jogos no período da tarde. "Isso é outra desvantagem, pois teríamos menos torcedores nas arquibancadas. Mas não quero pensar nessa possibilidade. Quero imaginar que as pessoas responsáveis pela Prefeitura tenham bom senso e comprometimento para deixar o estádio liberado e com iluminação", ressaltou Ronan.

O curioso é que, teoricamente, dinheiro não falta para a reforma. No dia 6 de setembro, a Prefeitura lançou edital liberando mais de R$ 4 milhões para reforma em prédios públicos. Pouco depois, em sessão na Câmara Municipal, o secretário de Orçamento e Planejamento, Arnaldo Pereira, garantiu que, desse valor, R$ 3,5 milhões seriam utilizados na reforma do Bruno Daniel, mas não foi o que aconteceu e a Prefeitura mantém silêncio quando questionada sobre o recurso.

A liberação do estádio depende da limpeza do entulho que restou após a demolição da marquise e que foi abandonado há pelo menos quatros meses no local. Depois, o Brunão passará por vistorias da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e de Engenharia para atestar que oferece segurança aos profissionais envolvidos no jogo de futebol, assim como aos torcedores.


Enchentes mancham história gloriosa

Um dos maiores desafios enfrentados pelo Bruno Daniel foi a chuva. Construído ao nível da calçada, o estádio sempre sofreu com inundações nos temporais característicos do verão. A água invadia o saguão dos vestiários e destruia o que encontrava pela frente.

Por uma década, de 1996 a 2006, as enchentes eram corriqueiras. Pelo menos uma vez por ano a água tomava conta d o estádio, algumas vezes com força impressionante. Nesse período, foram feitas obras paliativas, mas nenhuma para resolver o problema. Para conter chuvas de menor intensidade, foi construído um degrau na porta dos vestiários.

Os torcedores se lembram, por exemplo, da enchente de 1996, quando a água chegou a 2,2 m, o maior nível da história. Em dias de jogos, o estádio também recebeu a visita indesejada da água e, por várias vezes, os jogos foram interrompidos. Entre os exemplos estão os duelos contra o Rio Preto, em abril de 2001, e União São João, em fevereiro de 2004.

Em 2005, após reforma para receber os jogos da Libertadores, o Brunão também sofreu com forte inundação. A água chegou a 1,5 m no vestiário, na véspera da estreia do Santo André no Paulista.

O último episódio lamentável causado pela chuva aconteceu em fevereiro de 2009, quando o jogo entre Santo André e Marília foi interrompido pelo temporal que inundou o estádio. O nível da água no vestiário alcançou um metro.

Para resolver o problema, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) realizou obra de contensão no córrego Guarará em junho de 2009. Na ocasião, foram instaladas válvulas que funcionam como comportas nas margens do córrego e que fecham quando o nível da água aumenta. A medida parece ter resolvido o problema, já que não foram registradas enchentes nos últimos dois anos.

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